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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Licença Poética (Epitáfio Visceral)




Entre pontos, vírgulas, acentos, e novos acordos ortográficos, me pergunto: aonde está o erro? na escrita ou em nossos olhos? Não quero aqui justificar ou incentivar o desacordo linguístico com nossa gramática "culta", mais sim, provocar o questionamento sobre a beleza estereotipada das normas, em uma sociedade de culturas entrelaçadas, porém, denominadas de valores distintos.

Outro dia, ao fazer uma pesquisa em grupo sobre mensagens veiculadas na internet, me deparei com inúmeras frases populares em letreiros, placas e muros. À priori cai aos prantos e gargalhadas, pelos inúmeros erros gramaticais. Não obstante ao ato, os outros também começaram a rir, achando tudo aquilo, apesar de real, um absurdo em pleno século 21.  

Frases como: "A palavra é prata, o cilêncio é ouro"; "Servimos suco natural, do pó do guaraná Á Flôr de Ziáco do Amazonas", imediatamente nos leva a pensar na comicidade de suas estruturas, porém, o que difere estas frases dos poemas Vício na fala, de Oswald de Andrade, e Samba do Arnesto, de Adoniran Barbosa, respectivamente? 
"Para dizerem milho dizem mio... Para melhor dizem mió...  Para pior pió...    Para telha dizem teia...     Para telhado dizem teiado...        E vão fazendo telhados."
"O Arnesto nos convidou pra um samba, ele mora no Brás... Nós fumos não encontremos ninguém...                                    Nós voltermos com uma baita de uma reiva."
(...)

Certamente, você diria o termo "Licença Poética", que nada mais é do que a permissão dada ao escritor para extrapolar a norma culta, deixando de lado regras gramaticais. E se levarmos em conta que a forma empírica das frases inicialmente descritas são colocadas de forma poética? A final, o que é culto e o que é coloquial?

No mundo contemporâneo, se dá mais valor a métrica do que a poesia, o sentimento. Os rótulos são cada vez mais empregados. Obviamente, que devemos melhorar o nível da educação no país, porém, o que me impede de visualizar os erros como pura poesia? Nada me impede. O que chamam de bagunça gramatical pode ser para qualquer um a harmonia de um verso, ou seja, aquela história de "Assaltaram a Gramática, Assassinaram a Lógica, Botaram Poesia Na bagunça do dia-a-dia"...(trecho da música Gramática, Lulu Santos), é pura balela, pois muitas pessoas hoje, a pesar de escreverem bem, não praticam esta, ainda mais, não transmitem sentimento em seus dizeres, pois é mais fácil ensinar a métrica do que o sentimento, este, é intuitivo.

Temos é que colocar para fora, enxergar, e estimular, toda e qualquer, poesia oriunda de nossas entranhas: o chamado Epitáfio Visceral. Assim, ao invés de nos preocuparmos apenas com a léxica e ortografia, nos preocuparemos em pensar, sentir,..enxergar além do que a escrita culta nos apresenta.



Santos, MarcioLicença Poética (Epitáfio Visceral), Piranhas-AL, 24 de Fevereiro de 2012

9 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Putz!!!! O texto é uma porrada nos sisudos da gramática!

    Como você bem apresentou em seu texto, não é a estrutura das palavras que deveria reproduzir o valor de um discurso em nosso cotidiano ou em uma obra artística. No entanto, quando a gente pensa isso em uma sociedade marcada por hierarquizações estéticas, econômicas, políticas, infelizmente é inevitável essa legitimidade em relação à norma culta.

    Porém eu pergunto: o que é culta? A quem interessa oficializar um tipo de discurso em detrimento do outro? O "correto" não corresponderia apenas a um valor de quem detém o poder intelectual de uma sociedade? O que me provaria que determinada escrita estaria errada senão a mera imposição de quem determina que ela esteja errada?

    O que precisamos lembrar é que a linguagem, antes de poder ser validade enquanto estrutura, serve como ferramenta para estabelecer as relações entre os individuos de um determinado meio social. Se eu falo de forma "errada", mas o meu discurso se faz codificado para o outro, como posso invalidar determinada forma de expressão? A linguagem serve como mecanismo de comunicação entre os agentes sociais e não como um quadro arrogantemente exposto como "belo" em uma pinacoteca cheia de professores e intelectuais tomando chá no fim de tarde!

    Contudo, nós temos que admitir que existem critérios determinados como válidos que não podem ser descartados. Ora, deve-se haver uma certa padronização na escrita e na oralidade que possam comungar com a objetividade instituida pela sociedade. Porém, o erro é quando nos desligamos dessa relação de poder implicita na validade ou não de um discurso e passamos a aceitar a oficialidade das coisas como verdades divinas. Pô, as verdades, as mentiras, o certo e o errado são construções humanas e essas construções refletem interesses de classes!!

    Só queria deixar uma observação a mais: essa questão da preocupação com a forma não é uma preocupação contemporânea. Na verdade, em nosso cotidiano ainda percebemos os preconceitos que se criam em elação às expressões linguísticas, mas devemos lembrar que isso em tempos mais antecedentes já foi muito mais elitista. A linguistica, a antropologia e outras ciências têm demonstrado muito essa necessidade de se relativizar as coisas e tentar olhar a construção discursiva como um elemento social, estético e político e não apenas estrutural

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  3. Concordo em número e grau com você Vina, porém, e a pesar de primar pela boa estrutura, composição, das palavras, quis pôr em cheque a própria legitimidade da norma culta, como você mencionou no face,por acreditar que todo tipo linguagem é provida de valores que são absorvidos por outrem, e não devemos enxerga-la com preconceito

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    1. Sim, eu compreendi e compartilhei perfeitamente com o que você quis dizer. Só fiz questão de chamar atenção de que, apesar da linguagem oficial ser reflexo de uma imposição de classes e que os discursos não-oficializados possuem seus valoes, não podemos negar que necessitamos de uma certa padronização na escrita e na oralidade. Sabemos que a linguagem é uma ferramenta que serve para a comunicação e não é apenas uma estrutura, mas existem formas de falar, de escrever, que apesar de serem resultantes de imposições do que um grupo prestigiado socialmente determina como certo, são condições institucionalizadas e que servem para nos comunicarmos de forma mais geral. Como eu disse no texto, o que não devemos é encarar essa oficialidade apenas como oficialidade em si mesma. Ora, não é por que temos que manter um certo modelo de escrita e de oralidade que significa dizer que esses modelos não possam ser questionados ou mesmo discordados.

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  4. Concordo bastante com os dois, mas de certa forma ainda vivemos em uma nação muito preconceituosa linguisticamente. Nação essa, que não se importa só com o modo da escrita, mas também, falada. Tem-se que acabar com isso!

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    1. Isso Dani, fazemos parte de uma nação rica linguisticamente não apenas pela gama literária, mais, devido a continentalidade da mesma. Esta, se faz presente de várias formas: culta, popular, e popularesca. Temos que enxergar todas com olhares valorosos.

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    2. Pois é. Por exemplo: o próprio termo popularesco já implica uma conotação pejorativa. Não estou aqui afirmando que Márcio se utiliza do termo por preconceito, até por que se eu achasse assim, posso dizer que não tinha lido sequer a primeira linha de seu texto.

      O que estou atentando é o fato de nos utilizamos de determinadas palavras que em si já carregam tons pejorativos, pois os sentidos das palavras, a legitimidade de um discurso, é fruto de interesses de classe que como forma de manterem seu prestigio na sociedade, exclui tudo aquilo que ela considera errado.

      Por exemplo: musica brega, cafona, chula, populacho, ralé, etc, são termos que geralmente associamos aqueles indivíduos situados nas camadas mais baixas da sociedade e que soam de forma pejorativa. Porém, ao falarmos: gosto de MPB, bom gosto, culto, requintado, etc, estamos falando acerca de comportamentos que se refletem nas camadas privilegiadas.

      A linguagem é resultante das lutas de classes e dos peconceitos que permeiam essas classes.

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    3. rsrsrsr...Certamente não quis, e você entendeu, depreciar ou agir com preconceito, ao mencionar a palavra popularesca. Assim , a fiz, por pronunciarem tal argumento para designar e denegrir aquilo que é diferente e não faz parte do meio de um grupo. Sou adepto do do mundo caleidoscópio, um mundo confeccionado por misturas. Mais, gostei do seu comentário.

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    4. Márcio

      Olhe, é muito comum hoje em dia dizerem que as distinções estáticas se diluiram, visto que os grupos sociais, devido a capacidade homogeneizante da cultura de massa, uniu esses grupos. Portanto, não é mais valido dizer que a música brega, por exemplo, é uma estética musical apenas consumida pelos setores desprestigiados socialmente. Contudo, é importante sinalizar um ponto muito importante acerca disso: uma coisa é percebermos que as músicas passaram a ser consumidas por vários setores sociais, porém, isso não significa que haja uma união entre esses setores. Ora, é nitido que os membros inseridos em determinados espaços sociais, ainda necessitam auto-afirmar um discurso como forma de legitimarem as fronteiras sociais. Ainda existe uma necessidade muito grande em se dizer: ouço musica brega por que serve para caçar mulheres, por que me faz rir. Esse tipo de justificativa serve como forma de determinados grupos sociais argumentarem um olhar acerca da estética se esquivando de admitir que ouve essa estética. Ora, isso ainda significa a persistência da distinção estética, sem contar que certas tendências musicais fazem mais parte de uma realidade social do que de outra. Pô, isso faz parte da memória auditiva de certos grupos. Por isso mesmo, apesar da mistura ser maior, a bossa nova, a mpb, por exemplo, ainda são ouvidas com maior recorrência em certos meios do que em outros, o que não significa dizer que os setores que ao longo da história não tiveram acessos cotidianos a essas estéticas não possam cantarolar sampa de caetano veloso em barzinhos.

      Portanto, acho de grande valia uma reflexão como a que você trouxe em seu texto, pois apesar de não parecer, mas a linguagem ainda serve como ferramenta provocadora de distinções sociais. Ainda carregamos aquela idéia de que existem aqueles que ouvem coisas "bem trabalhadas", "bem elaboradas", "belas letras" e existem aqueles que ouvem coisas "mal trabalhadas", "mal elaboradas", "letras simplórias", "mau gosto", etc. Quem quiser que se engane em acreditar que com o mundo global e a abrangência provocada pela industria cultural fizeram acabar com as diferenças sociais refletidas nas diferenças estéticas, sejam elas linguisticas ou musicais ou artísticas em geral.

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